“Qualquer ensinamento que não se enquadre nas Escrituras deve ser rejeitado, mesmo que faça chover milagres todos os dias”. (Martinho Lutero)

terça-feira, 5 de outubro de 2010

História e perdão

 
Em 2004 foi lançado o filme “Brilho Eterno de uma Mente sem Lembranças”, com Jim Carrey e Kate Winslet. Quem não viu, assista. É surpreendente. O filme trata do tema do esquecimento: o camarada contrata uma empresa especializada em apagar a memória para excluir lembranças dolorosas do passado (no caso dele, relacionadas à namorada). Não vou contar mais nada para não estragar o final.
A ideia é legal, mas não é nova. Nietzsche, aquele ateuzinho azedo e pessimista, já havia estabelecido a relação no seu livro “Escritos sobre história”, onde afirmou que a serenidade do homem vem tanto da capacidade de esquecer como de lembrar os fatos conforme convém. Para ele, o excesso de história (que é a lembrança) mata o homem. Portanto, só poderíamos ser felizes na medida que selecionamos os fatos do passado, relegando alguns ao esquecimento e outros à memória.
Entretanto, eu discordaria de Nietzsche (e do filme) em um ponto. Não é o esquecimento que nos torna verdadeiramente felizes: é o perdão.
Todos erramos, todos pecamos, não tem jeito. Por mais que busquemos amar a Deus e praticar o bem, acontece de às vezes tomarmos a atitude de um canalha. Então, vem aquele sentimento: de onde saiu isso? Como pude fazer uma coisa dessas? O melhor caminho, todos sabemos, é o do arrependimento, da confissão e do perdão. E essa é a parte mais complicada, principalmente porque a ideia de perdoar é humanamente injusta – uma vez que o ofendido assume o prejuízo da ofensa.
Embora compreendamos a necessidade de perdoar uns aos outros, normalmente esquecemos que a atitude do perdão também deve partir do próprio ofensor: no final de tudo ele precisa desculpar a si mesmo. E esse é um processo muito doloroso porque nos obriga a encarar de frente a realidade nua e crua sobre as motivações da nossa interioridade. A verdade dói, e por isso preferimos esquecê-la.
O esquecimento (que Nietzsche percebe como fator determinante da felicidade) na realidade acaba criando em nós uma caricatura: não chegamos nunca à própria essência porque não encaramos a verdade sobre nós mesmos. Mas com o perdão vem o autoconhecimento, pois a confissão do pecado é uma admissão da nossa realidade falha e inacabada.
E assim, somente encarando de frente a verdade do que somos lá no fundo – sem ocultá-la por meio do esquecimento – é que poderemos ser verdadeiramente livres. E encontraremos a paz com nossa própria história.

Crônica escrita por André Daniel Reinke

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